segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Hybris


queria crer na madeira
que de todas as maneiras
os homens roem e levam ao peito
seria tão perfeito
se o meu telhado
por ter goteiras
fosse mais sacralizado
que as tábuas do sobrado
que tantos joelhos recebeu
assim houvesse um deus
que em vez de te fazer santo
te amasse e entretanto
te ensinasse a amar também
mas que fazer se a minha presença
não é tão beatífica
quanto as alturas magníficas
em que o deus
que quisemos ter
em suas sentenças
nos resolve condenar?

e se o deus sair pela cidade
ao encontro do seu peito
ao encontro de nós?
e se ao cair do altar
o deus encontrar
um homem de face comum
o seu cheiro de carne terrena
valerá a pena
para o beijar e amar
na sua maior inteireza
sem tecto algum?
e se o deus
com seu corpo recém-adquirido
decidir por decidir
que a aliança lhe convém
haverá poema que o contenha
poeta que não tenha
que se calar nem fazer jejum?

e que digo
se o maior perigo
é o poema devorar
o mesmo deus que criou
porque se o templo fechou
foi o poema que o fez desabar?
e eu poeta
acabando pela certa
por matar o mesmo deus
não será por mal
pois quem queima uma imagem
constrói outra miragem
senão com barro
ao menos com um verbo igual

e o deus que então surgir
nomeado ou desconhecido
pau pedra
ouro terra
não será maior que o antigo
nos pecados que permitir
só um corpo diferente
e os vícios das gentes
lhe darão outro céu
o poema que ele abrir
não terá outro sentir
se o poeta for igual

só eu sei que se rasgar o poema
não há dilúvio nem dilema
que me torne menos real

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