quarta-feira, 25 de novembro de 2009

a queda

já não há rimas novas a fazer
inevitavelmente esgotaram-se os sons e as sintonias
e possuímos agora toda a ciência
e dominamos todas as línguas dos homens
doravante o mundo será regido pelo caos
luz contra sombra água contra fogo
seremos diletantes eternos em busca de um novo caos
e a nossa hora última será um verso branco
fora de tempo fora de ritmo
breve

pois já não podemos dizer chuva
sem sentir o fragor das vinhas
nem navegar sem passar pelos arcos do templo
o que está bem terá sempre um colo
e a dança acompanhará a nossa mocidade
tudo é previsível
mesmo o que não se vê
teremos sempre vento para nos contar os segundos
montado às costas de uma frase deixada a meio

discurso soluço sufoco nudez revelação

antes oferecíamos o corpo nos altares
segundo leis milenares ou com um punhal de improviso
hoje parece-me que nos vestimos de vermelho por outros motivos
o poema já não sofre nas mãos do poeta
contudo o poeta não sabe já quem é
faz-se de rei nas praças da cidade
mas esta já havia caído séculos antes
muito antes das cavalarias das armadas
antes de haver nomes para as cores do seu manto

sábado, 26 de setembro de 2009

Assis

retomar a queda interrompida por sobre o mundo
inverter o tabuleiro as grades as peças dos sentidos
subir ao derradeiro chão de todas as vertigens
e no último passo antes da verdadeira encarnação
abdicar de tudo menos das raízes dos cabelos
uma seara à espera de asas

e aí sim
fazer silêncio
contemplar as cidades nascidas em plena atmosfera
os jardins suspensos de uma Babilónia por reconciliar
tocar na sua admirável falta de alicerces
pressentir o poder das nuvens que criam palácios e ruínas
que sendo de dimensões várias chegam todos à mesma altura
arremessados contra o seu tecto máximo
que é também o fim e o começo e a verdade
de cada semente em cada pedaço de terra
de cada abraço plantado

neste compasso de espera e de presença
o poeta estende-se sobre o abismo entre um universo e outro
com as mãos abertas cravadas na ânsia do solo
em estado de puro desejo de irrigação
de sangue e de orvalho ocultos sedentos de comunhão
um poeta de pés livres para dançar com o vento
passo a passo para fora do tempo

é o céu
diz a profecia gerada e nascida da ponte
é esta loucura que abre a boca do poeta para embeber a terra
e da árvore de mãos enraizadas e pés alados
surge todo o sonho a noite o dia enfim a criação
e depois da chuva virá sempre o deserto
o segredo que é incêndio e hibernação
o segredo que se torna aurora
sétimo dia
antecâmara da transfiguração