quarta-feira, 28 de março de 2007

Janela aberta


Janela aberta.
Horas e horas de sono perdido
expostas ao escrutínio implacável do Sol.


Será que o mar resistirá à força bruta da fuga das nossas almas?


De novo o aroma de novas folhas,
novos esmagamentos, cataclismos,
e vinhos cansados embora prematuros;
de novo o perfume da tua ausência
a passar com a tua sombra pelos lugares com pegadas frescas
onde não mais caminhas.
No início dos tempos,
deve ter havido apenas o recreio deserto
onde deixámos o olhar de lado.


É tão perfeito o avesso de todas as coisas.


Luz.
Sempre o mesmo pedaço de sonho e rebeldia,
ascensão e queda,
a invadir os meus olhos.
Do ponto de vista de quem se debruçou sobre todas as noites
e de todas guardou um pouco das vozes que foi ouvindo,
o amanhecer bem poderia ser uma maré baixa
onde cada traço é puro jogo
e as cores são um negócio à parte
entre o olhar e a dor
pelas mãos de um dia de fúria gravadas no rosto.
De espelho em espelho, nada seria distinto.


Colei-me ao dia porque a sedução da cegueira me fazia respirar além da janela.
Fui caminhante em terra árida,
e por instantes a revelação fez-me perguntar-me a mim mesmo:
"Como te chamas?"
"A quem persegues debaixo deste sol?"
Contudo,
notei que a minha barba continuava a brilhar como fogo,
como sempre,
à luz da ira e do sangue,
e percebi que eu ainda era outro
e que o meu nome ainda não me pertencia.


Eis que o dia tinha chegado.
Os anjos repetiram o seu voo estreito.
O vento prosseguiu o seu ditado.

segunda-feira, 12 de março de 2007

Alvedansen


Encontrar-te em cada pedaço de caminho das minhas mãos como numa floresta onde todos os espíritos do fogo e do vento encontraram um lar seguro longe das mitologias e das demais crenças humanas. Ser para ti um raio de luz ou fonte de água a cada nuvem de passagem sem término ou estação. Viver numa permanente dança de roda onde os meus dedos surpreenderão e resgatarão os teus enquanto nos seduzirmos em torno da grande fogueira. Ser eternamente cíclico e constantemente mutável, sempre que a Terra nos pedir novos cânticos para todas as cores que nos forem oferecidas.


Ou simplesmente regressar aos teus braços e ver nos teus olhos todos os mundos que me prometeram desde que comecei a minha jornada.


No infinito, serei ponte de todas as vozes vindas de qualquer vento e de todos os barcos que ancorarem no meu coração. No ventre da noite, seremos engenheiros de novos mistérios e o arauto de uma Primavera só nossa, de um lugar quintessencial onde a qualidade principal de cada ser é, mais do que caminhar, nascer.


Quando escreverem a história do nosso reino, ninguém se recordará do momento em que recriámos o fogo longe dos olhares do Sol e da Lua com as nossas mãos ávidas de proximidade. Mãos vulcânicas. Combustão lenta, numa alquimia em que cada membro une a carne ao seu espelho, em que o olhar descobre o aroma de uma lenda antiga nos tesouros de outro olhar. Desejo erguido desde as profundezas dos nossos corpos feitos raízes inversas de um solo ainda virgem. De entre as flores e os beijos, ascenderemos finalmente para fora do tempo. O silêncio permitir-nos-á jogar com a cegueira dos homens e transmitir o nosso poema unicamente por sussurros, entre nós os dois.


E a nossa imortalidade será um segredo só nosso.