domingo, 19 de agosto de 2007

Dos amores


dos amores sem memória
ninguém
sabe
é que temer ao amor é uma arte
secreta
só os amantes mais corruptos conhecem o segredo
de como beijar sem deixar rasto
há um pouco de estrada no segredo
o segredo
é um desejo de atropelamento
os passos são pontos de fuga
os teus e os meus
desamores

ai os amores
deviam criar uma lei que proibisse
os incautos
os ladrões
e os poetas
de desviarem as almas da juventude
um decreto que apagasse os desvarios
e deixasse os puros à solta
com seus muros brancos de cidades
estéreis
porque a cal não conhece a dor
nem enfim a cor louca dos lençõis
de inverno

o teu amor como tantos outros
amores baratos
é radioactivo
todos encontram vestígios do mesmo
nos seus patéticos quintais
brancos únicos repetidos
porém são poucos os que de facto morrem
de amores

dos amores modernos
de cara lavada
amores sempiternos
casas devastadas
dos amores naturistas
fascistas
sem roupa na esquadra do mundo
dos amores dos jornais
quero um igual ao que vi na página sete
era redondo e a pronto
dos amores quero um modelo económico
um que caiba em casa
entre as plantas e as molduras
abandonadas
um amor que dure
um amor que vá rendendo
um daqueles amores apartamentos
momentos

quero um momento sem querer
porque a esperança desgasta
e o desejo mata
dos amores sem relógio
daqueles de portas sempre abertas
quero a janela
discreta
o vagar do gesto em que o mundo pára

dos amores sem hora
dos amores a toda a hora
dos amores apressados sem bilhete
da estação
da viagem
preciso do desembarque
do adeus
dos amores abraços fugidios
quero o olhar que fica
quero a cadeira vazia ao lado
e a telefonia a anunciar o fim dos tempos

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