segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

Olhar de vidro

Olhas-me.


No final dos tempos, ainda restará outra verdade além do olhar?


Mesmo que as rochas nos ultrapassem na contagem do tempo e que todo o mundo seja uma breve miragem, nós sobreviveremos no casulo da suspensão, pois, dizem, há um espírito que nos precede.


E seremos nós a alimentarmo-nos de tempo em cada trilho de sangue.


As luzes estéreis da cidade guardavam-te no seu luxo clandestino, naquele ruído que manchava a multidão de sombras vermelhas. Por sorte o teu lugar predilecto era ainda menos iluminado, preso ao canto onde as paredes eram mais lentas e as mãos se podiam movimentar melhor.


Nunca deixei cair das ruelas estreitas das minhas mãos o teu intenso cheiro a excessos deambulantes e a longas horas de aridez, nem perdi o calor do teu corpo em cada recanto exposto onde a lua me devastou.


Esta é uma daquelas vidas em que tudo o que eu mais queria era um abraço.


Não me condenes. Não me apontes. Apenas continua a olhar-me.


Não te desvies de mim.


Não te desvies do enquadramento da nossa luz.


Olha nos meus olhos. Bem sei que, se me demorar demasiado a contemplar-te, acabarei por ser atraído ao Hades e terei acesso a todos os segredos que o espelho me esconde. Anjo ou demónio, sei que as tuas asas me farão perder a minha alma de qualquer modo, de tal forma que um dia te oferecerão alvíssaras para que me devolvas ao mar.


Nunca aceites nada do que eles te disserem.


Estou suspenso. E assim ficaria para sempre, desde que cada arrepio me trouxesse de novo àquele torpor inicial em que nada existia debaixo do Sol além do teu rosto e das promessas infinitas que caíam dos teus lábios sobre o meu peito.


Passa-me o teu copo. Quero partir o nosso olhar de vidro contra a manhã do mundo.

2 comentários:

Anónimo disse...

Pq dependemos dos outros? Pq as pessoas acontecem, e depois como bolhas de sabão desaparecem diante de nosso olhas? Teu olhar de vidro é talvez as bolhas de sabões q passaram em minha vida, só q hj me falta a água da esperança e o detergente da nostalgia, a mistura fora por ralo abaixo...deveria existir contratos de "jamais te deixarei sem te preparares..."
E ainda assim, desejo ardentemente soprar o canudo...quem será a próxima bolha...eu não sei...eu não sei...
"Olhos fechados, pra te encontrar, não estou ao teu lado, mas posso sonhar, e aonde quer q eu vá, levo vc no olhar...aonde quer q eu vá, aonde quer q eu vá..."
Quebre meu olhar de vidro, já tenho medo do q posso avistar num futuro perto ou distante...
De mim sua Grace para todo o sempre!

Anónimo disse...

Excelente escrito. Bravo!
Abraço