quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Receituário


se eu falar muito devagar
talvez consiga suster o mundo nos meus lábios
certo é que deixarei certas palavras por dizer
uma manhã nebulosa de domingo em cada dedo
e o poema partirá das minhas mãos incompleto
um fio de intensa existência a escorrer desde os pulsos até ao chão

amo-te
não sei se te encontro hoje
amo-te
onde estão os espelhos onde ontem cortavas a luz?
amo-te
acolhe nos teus braços o meu dia
amo-te
não me escondas as paredes o ar a cidade
amo-te
é isto a despedida o desengano o engate?
amo-te
num segundo tudo ficará suspenso

seguro no meio das nossas miragens um pedaço de prata
não tenhas medo
não te farei mal
observa o reflexo da tua face nesta lâmina
brilhante
a inteireza da tua luz e da tua podridão encantam-me
gostaria de te prender nos meus braços
deixas-me?

quero-te
há demasiada gente que morre sem memória
quero-te
não temas o desvario o azar a obsessão
quero-te
trouxe-te algo para curar as tuas noites
quero-te
não quero que assines no fim
quero-te
não quero
quero-te
porque tinhas que engolir a estrada com todas as suas colisões?

hoje vários corpos foram encontrados
desconhecem-se as vítimas o seu passado o seu nome
porém várias veias pareciam ir na mesma direcção do desejo

olhares rubros má sorte
um anjo com rosto de cinzas

2 comentários:

... disse...

Brilhante texto!...

farfalla disse...

escorreguei por aqui.... e palavras tentam-me sempre.

gostei...

_baci_