quinta-feira, 25 de setembro de 2008

câmara escura

mas
e quando por mais que digamos o mundo
ele não acontece?

eis-me aqui sentado
o mundo como entreposto dos ouvidos a cabeça entre as mãos nervosas
olho para um rio
digo que o caudal está a encher
mas há outras barragens outras carências energéticas a corromper a nascente
pego numa pedra toco-a acaricio-a lanço-a para longe
ao sentir a sua superfície lisa repetidamente amada
eu vejo
apesar de o rio ter um leito não me saciarei
apesar do caudal não terei um corpo à minha espera
apesar do tempo
apesar
do desejo e das mãos em punho as veias em evidência
as minhas palavras não conhecem outro ruído além do ranger de dentes

talvez com o chamamento encontre outro corpo
outra vocação ainda
talvez de tanto percorrerem uma pele imaginária ou um peito em expectativa
os dedos possam desenhar o rosto a uma página
tal como se desflora um sorriso
entre beijos
ou numa câmara escura

a voz
encontrá-la perfeitamente disposta na moldura
a respirar o mundo a recuperar do êxtase
abraçar o corpo levar o aroma o quarto a febre
ser louco e ser eterno
reconciliar-me com a chuva e com o granizo
abraçar-me faminto às rochas em brasa

saltar de olhos fechados com uma colisão nos meus braços


1 comentário:

Irene Ermida disse...

uma queda de palavras que deixa antever um mergulho no universo!