sábado, 26 de setembro de 2009

Assis

retomar a queda interrompida por sobre o mundo
inverter o tabuleiro as grades as peças dos sentidos
subir ao derradeiro chão de todas as vertigens
e no último passo antes da verdadeira encarnação
abdicar de tudo menos das raízes dos cabelos
uma seara à espera de asas

e aí sim
fazer silêncio
contemplar as cidades nascidas em plena atmosfera
os jardins suspensos de uma Babilónia por reconciliar
tocar na sua admirável falta de alicerces
pressentir o poder das nuvens que criam palácios e ruínas
que sendo de dimensões várias chegam todos à mesma altura
arremessados contra o seu tecto máximo
que é também o fim e o começo e a verdade
de cada semente em cada pedaço de terra
de cada abraço plantado

neste compasso de espera e de presença
o poeta estende-se sobre o abismo entre um universo e outro
com as mãos abertas cravadas na ânsia do solo
em estado de puro desejo de irrigação
de sangue e de orvalho ocultos sedentos de comunhão
um poeta de pés livres para dançar com o vento
passo a passo para fora do tempo

é o céu
diz a profecia gerada e nascida da ponte
é esta loucura que abre a boca do poeta para embeber a terra
e da árvore de mãos enraizadas e pés alados
surge todo o sonho a noite o dia enfim a criação
e depois da chuva virá sempre o deserto
o segredo que é incêndio e hibernação
o segredo que se torna aurora
sétimo dia
antecâmara da transfiguração